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29 jun 2020

Ainda há catástrofes naturais?

Edited on 23 Jan. 2023

Há anos, traduzi um texto com um título sugestivo e curiosamente atual—Ainda há catástrofes naturais?—, do filósofo francês Jean-Pierre Dupuy. 

O texto evoca uma controvérsia a propósito do terramoto de Lisboa de 1755, que pôs em causa a visão até então dominante—defendida anos antes por Leibniz— segundo a qual há um sentido para tudo, mesmo para o mal, apesar de nós não sermos capazes de o compreender, pois na grande ordem das coisas este mal é, afinal, para nosso bem. Esta postura seria criticada por Rousseau, que defendeu que, se o terramoto era «natural», a destruição por este produzida era bem humana, devendo-se à insensatez de construir grandes aglomerados urbanos. Ou seja, a catástrofe deveria ser imputada às pessoas e às decisões que tomavam.

Quer parecer-me que esta discussão tem uma curiosa atualidade, e em vários sentidos. É que também hoje nos deparamos, de um lado, com os que evocam a ordem e a normalidade, à qual é necessário regressarmos o mais depressa possível—vamos chamar-lhes neo-Leibnizianos. Estes assinalam que a paragem a que a pandemia obriga causa uma enorme recessão económica e faz subir a taxa de desemprego, pelo que a atitude certa a tomar é regressar rapidamente ao melhor dos mundos possíveis—o mundo capitalista ordenado pelo mercado. Do outro lado estão os que responsabilizam a humanidade, quer pelo vírus —a devastação de habitats e o consumo de espécies selvagens possibilitam a propagação de organismos letais para nós—, quer pelo alcance da pandemia, que se propagou com extrema rapidez graças à globalização—chamemos-lhes neo-Rousseaunianos.

Pode argumentar-se que estamos perante uma saudável manifestação da liberdade de opinião. Talvez sim, talvez não. Infelizmente, a discussão rapidamente deixou de lado a argumentação para se transformar em mais um episódio de uma luta ideológica que não procura o entendimento, mas a redução da posição oposta ao absurdo, e até a sua demonização. Dessa perspetiva dualista em extremo, os neo-Leibnizianos seriam fanáticos capitalistas, para além de negacionistas das alterações climáticas. E os neo-Rousseauneanos seriam uns perigosos luditas e totalitaristas em potência, ansiando pela segunda vinda do salvador Estaline (visão muito em voga entre alguns cronistas da nossa praça). Tal como com outros assuntos, assiste-se à extrema politização de um tema da maior importância, e sobre o qual deveríamos debater sem preconceitos.

O que estas posições extremadas se recusam a reconhecer, é a existência de cambiantes. Nem todos os amigos da natureza estão dispostos a abdicar da tecnologia, e não faltam os defensores do ambiente que acreditam nas vantagens do sector privado e na sua capacidade e vontade de apoiar a produção sustentável. Nem todos os partidários do liberalismo económico negam as alterações climáticas, e muitos estão empenhados na conservação da natureza e na promoção da responsabilidade social. Não quero com isto negar o papel das diferenças ideológicas, até porque acredito que estas moldam fortemente o nosso modo de pensar o mundo. Mas também não acredito que essas diferenças possam constituir uma desculpa para a demonização do outro a que se dedicam certos textos de opinião inflamados e inflamatórios, que procuram preguiçosamente o conforto das certezas absolutas.

Talvez concordem comigo mas, na situação de divisão em que nos encontramos, concordar só não chega. Por isso termino lançando um desfio: parem de fugir daqueles amigos com quem já não conseguem conversar porque passaram «para o lado do Mal». Procurem-nos e oiçam-nos com calma. E tentem compreender a perspetiva deles. Porque a sociedade é comunicação, como há muitos anos nos ensinaram os autores da Escola de Chicago (esta é uma piscadela de olho aos meus alunos de comunicação, a quem desejo umas excelentes férias).

Alexandra Santos
Professora do IADE - Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia